sábado, 23 de maio de 2009

“Estamos perdendo a chance de mudar o paradigma da política habitacional”

21/05/2009 - 10h05

Por Henrique Andrade Camargo, do Mercado Ético

Ela é uma das maiores autoridades mundiais em moradia. Tanto que se tornou relatora especial para o Direito à Moradia da Organização das Nações Unidas (ONU). Sem meias palavras, Raquel Rolnik, arquiteta e urbanista da Universidade de São Paulo (USP), condena a política habitacional do governo Lula. Para ela, o Ministério das Cidades, onde trabalhou de 2003 a 2007, age de forma esquizofrênica e só pensa em resultados rápidos e quantitativos. A qualidade, como no plano Minha Casa Minha Vida, foi totalmente descartada. “Corre-se o risco de se criar guetos de pobres, com violência e sem acesso ao trabalho e à educação”. A alternativa que ela defende é a criação de um modelo de gestão democrática para além dos requisitos formais. O objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.

Leia a seguir a entrevista que Raquel Rolnik concedeu ao Mercado Ético em seu laboratório na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP.

Mercado Ético - A senhora deixou o governo por causa de uma política habitacional que chamou de esquizofrênica. Isso melhorou ou piorou desde sua saída?

Raquel Rolnik - Piorou muito. O Ministério das Cidades não caminhou para uma participação democrática, política e popular. O que cresceu foi o pragmatismo de resultados rápidos. Por um lado isso é bom, porque é muito importante ver resultados concretos nessa área. Mas isso não pode vir em detrimento à constituição de um novo modelo de desenvolvimento urbano. Acabamos por ter mais do mesmo.

A grande questão é o enfrentamento e a ruptura do paradigma e do modelo de desenvolvimento, que são excludentes e reproduzem a concentração de renda e poder. Também corresponde a uma concentração de processos decisórios. Toda trajetória de desenvolvimento urbano visa construir a possibilidade da gestão democrática. E uma democracia para além dos requisitos formais, cujo objetivo é incorporar a totalidade dos habitantes e moradores em uma condição de cidadania.

Um dos pilares do movimento de reforma urbana no Brasil é a ampliação da participação direta do povo nos processos decisórios. Isso pode ser feito por meio de conselhos, conferências e processos de pactuação na esfera pública. A discussão toda é incorporar todos de forma organizada e descentralizada.

ME - Como se faz isso?

RR - Existem mil maneiras. Dá para usar ferramentas inovadoras, como a internet. Também dá para desenvolver campanhas públicas de esclarecimento. Mas os processos decisórios dentro das cidades são muito restritos a um circuito onde apenas um setor da sociedade está permanentemente preparado para fazer uma interlocução. Por exemplo, na área de desenvolvimento urbano, o setor empresarial que fornece bens e serviços para a gestão pública, assim como o setor de incorporação e construção imobiliária, onde os negócios dependem muito das decisões políticas, tem fortíssima interlocução com o poder público. É algo permanente. Então, eles acabam tendo um poder e um peso nas decisões muito grande. Isso desequilibra o peso que o cidadão comum, que é morador da cidade e também tem sua vida dependente das decisões da política pública.

ME - A política brasileira é marcada por um populismo, em que é comum trocar “serviços” por votos. A senhora acredita que o mesmo ocorre no plano habitacional Minha Casa Minha Vida?

RR - Minha Casa Minha Vida tem outra natureza. É um programa que exerce uma função fundamental do Estado, que é subsidiar quem não tem acesso via mercado a um bem. Acho que os elementos mais complicados no pacote não são o de ter um resultado eleitoral, mas é o problema como ele se relaciona com a questão urbana como um todo. Se todo investimento para a baixa renda for considerado populismo, não vai haver mais nada para os pobres.

ME - Uma das grandes questões relacionadas ao Minha Casa Minha Vida é a qualidade das moradias. O governo vai construir casa boa para a população mais pobre?

RR - A primeira consideração que temos que fazer é definir o que é casa boa. Então, acho melhor definir isso como moradia adequada. O que é isso? Não é só a casa com parede, teto, banheiro com azulejo. A moradia adequada é um lugar a partir do qual o cidadão passa a ter satisfeitas as necessidades básicas e fundamentais de subsistência nas cidades com dignidade. Então, isso significa estar em um lugar que permita ter espaço público, lazer, escola, saúde, empregos e, também, que permita andar livremente e com segurança. A grande preocupação é a dimensão urbana do plano. No Minha Casa Minha Vida, essa dimensão é inexistente. É um aspecto simplesmente não trabalhado no sistema. E pode ser trabalhado. Deve ser trabalhado. Casa não é só o teto ou o produto em si.

ME - Há a possibilidade de que esse plano seja um tiro pela culatra e cause mais danos do que benefícios para as pessoas?

RR - A crítica não é no sentido de que o pacote vai piorar. Se uma pessoa que não tem casa e passa a ter uma, lógico que ela vai melhorar de vida. Mas com esse mesmo recurso, com essa mesma disposição e priorização, mas com outro componente e outra estratégia agregada, poderia haver mudanças muito significativas, que não ocorrerão. Corremos o risco de reproduzir o modelo já existente. Na época do BNH, foram construídas 1,5 milhão de moradias populares, como por exemplo, Cidade Tiradentes, Cidade de Deus. São guetos de não-cidades. De pobre com pobre. Tinham vários elementos possíveis, como trabalhar com empreendimentos com mistura de renda. O empreendedor poderia construir prédios com partes voltadas para diferentes rendas, mas dentro do mesmo lugar.

ME - Ainda dá tempo de modificar o programa?

RR - Acho que sim. Até porque não é fácil colocar o programa para andar. Tudo mostra que a parte que contempla a faixa da população de 0 a 3 (salários mínimos) está muito difícil. Não estão aparecendo projetos. Em primeiro lugar, a medida provisória que criou o programa (MP 459), está sendo debatida no Congresso. O Congresso Nacional não serve só para aprovar ou não. Serve também para aperfeiçoar. Também na própria discussão do programa, o governo pode mudar de rumo.

ME - A senhora diz que há ainda poucos projetos destinados para a faixa de 0 a 3 salários-mínimos. Mas é aí que está o maior déficit habitacional.

RR - A maior parte da demanda está aí mesmo. Em segundo lugar vem de 3 a 5, que provavelmente vai conseguir entrar no programa por conta do subsídio. Mas o problema maior é o de 0 a 3, que são as pessoas que estão nas favelas, nas ruas, quem não têm renda. É muito complicado. Com um modelo único como esse, que é o modelo da casa própria, é muito difícil viabilizar que alguém com renda zero seja proprietária de um bem de 50 mil reais.

ME - E com relação ao ponto de vista do Minha Casa Minha Vida como forma de combate à crise?RR - É uma solução tipicamente keynesiana. Ferramentas como essa já foram utilizadas na história, nos anos 30, no Plano Marshall, na reconstrução européia depois da guerra. De fato, investimentos públicos concentrados dinamizam a economia e me parece que, desse ponto de vista, o pacote, se conseguir construir as moradias nesses valores e nessa rapidez, vai ter um efeito anticíclico.

ME - As vendas de materiais de construção aumentaram em 25% depois do anúncio do plano. Esse já é um sinal?

RR - O que isso significa no Brasil? É a autoconstrução. É o cara que vai comprar o saco de cimento para melhorar a casa que ele mesmo construiu. É engraçado que a política pública não intervenha nesse processo, viabilizando terra urbanizada e bem localizada. Também poderia viabilizar assistência técnica para que esse monte de arquitetos e engenheiros soltos por aí possa trabalhar com os auto-construtores e, assim, ajudar a fazer projetos e orientar nas construções. O produto individual e o bairro serão de alta qualidade. Ao invés disso, inventa-se o processo da construtora, que não necessariamente vai chegar na mão de quem mais precisa.O próprio processo de autoconstrução dinamizaria o mercado. Se de um lado não daria emprego para muitos pedreiros, essas moradias demandariam mais materiais de construção, que é uma indústria que gera muito emprego. Além do mais, esse processo também mobiliza um trabalho especializado: ou é um eletricista ou um trabalho hidráulico. Sempre gera emprego. Mas é um outro emprego. São pequenos empreiteiros e pequenos construtores. A reforma de imóveis é outro campo que também foi completamente ignorada.

ME - Há um déficit habitacional de cerca de 7 milhões de imóveis no Brasil. Mas há 6,5 milhões de moradias vazias. É realmente necessário construir um milhão de casas?

RR - Essa é uma grande questão. Claro que essa conta não é matemática pura. O que há é uma sobreoferta para o mercado de classe média e alta e uma infraoferta para a baixa renda. Mas por que não trabalhar a reforma de um imóvel construído, reabilitando-o para a faixa de baixa renda? Principalmente nas áreas centrais, que já estão prontas e já têm água, esgoto, parque, escola, emprego e que estão vazias. Só na capital de São Paulo, o déficit é calculado em 200 mil moradias, mas há 400 mil unidades vazias.Para que parte dessas unidades possa entrar novamente no mercado é preciso uma política pública capaz de fazer isso.

ME - Há 34 bilhões de reais destinados para o Minha Casa Minha Vida. Nunca houve tanto dinheiro assim para projetos de moradia popular. Como é que fica essa relação de déficit habitacional, investimento público e o mercado, que representam interesses diferentes?

RR - Primeiramente, a motivação principal do pacote é a anticíclica. O déficit habitacional vem como segunda questão. É uma injeção de dinheiro, que levanta até mesmo a questão da sustentabilidade do projeto. A hora que você disponibiliza 34 bilhões para a construção, sem nenhuma intervenção em termos urbanísticos e fundiários, o que acontece e já está acontecendo é um aumento enorme no preço dos terrenos. O que eu tenho apontado é que muito provavelmente o subsídio vai parar no bolso do proprietário do terreno. Eu dou dois ou três meses para os empresários dizerem que não está dando mais para fazer casas de 60 e 70 mil (reais). Agora eles já estão dizendo que não dá para fazer de 50 mil. E não é porque a casa custa 50 mil reais. É porque a terra custa isso. Quer dizer que o nosso dinheiro foi diretamente para o bolso dos proprietários do terreno.

ME - Corre-se o risco de acontecer no Brasil algo como houve no mercado imobiliário americano?

RR - É um pouco diferente, porque a crise nos Estados Unidos foi causada somente por causa do crédito. No caso brasileiro, há o subsídio. Então haverá uma pressão nesse elemento. Quanto mais subsídio tiver, menos população vai ser atendida. E não é por conta de inadimplência, porque 50 reais dá para pagar. Mas será inviável produzir essas moradias.

ME - A senhora diz que dar ou financiar casa não é a única forma de resolver o déficit habitacional. No Reino Unido, por exemplo, o governo aluga ou oferece gratuitamente casas para a população de baixa renda. Esse modelo poderia funcionar no Brasil?

RR - Claro. As políticas de subsídio ao aluguel poderiam, inclusive, mobilizar o estoque construído. Se uma família não pode pagar o aluguel de 500 reais, mas pode pagar 100 ou 200, receberia um auxílio adicional. A gente tem que entender que direto á moradia não é sinônimo de casa própria. A propriedade e o programa de construção da casa própria são uma modalidade. Mas não são a totalidade. Existem muitas alternativas que, mesmo com menos recursos, poderiam garantir direito à moradia para mais gente. Enfrenta também a questão complicada de uma pessoa com renda de 300 reais mensais ter um bem de 50 mil reais. O que acontece? É obvio que se ela passar por qualquer problema e precisar de dinheiro vai vender o imóvel. Não sou contra isso. Mas ela vai ficar sem casa e sem alternativa.

ME - Ainda com relação ao Reino Unido, o governo iniciou uma caçada aos “ladrões de benefícios”, que são, por exemplo, pessoas que ganharam o direito à moradia gratuita ou subsidiada sem que realmente necessitem dele. Como ficaria essa situação no país em que tudo se resolve com o jeitinho?

RR - Iria acontecer a mesma coisa. Tem malandragem em tudo. No Minha Casa Minha Vida também. Você pega a casa, muda-se para a casa da namorada e vende o bem pelo dobro (do preço). Existem mil maneiras de desenvolver isso. Mas não acho que malandragem desclassifica o projeto e nem que não exista malandragem em nenhuma política pública. A grande questão é a transparência e controle social. Quanto mais a sociedade estiver organizada para acompanhar isso, menos malandragem vai acontecer.

ME - Até antes dessa crise global, o Brasil vivia uma época de razoável crescimento econômico. Tudo leva a crer que quando a Europa e os Estados Unidos resolverem seus problemas, o país vai voltar a crescer. A questão da moradia pode ser resolvida com o crescimento econômico?

RR - Hoje o que prevalece é uma idéia desenvolvimentista. Mas acho que o Planeta está vivendo uma crise séria. Acho que essa crise financeira não é só ela. Estamos vivendo uma crise civilizatória, no modelo de ocupação dos territórios, que se revelam na questão no aquecimento global e da crise da alimentação. É uma situação de limite que exige um novo modelo.

ME - As grandes cidades estão no centro da questão do aquecimento global. Como resolver isso?

RR - Acabar com a mobilidade sob pneus imediatamente, que consome energia e é a pior emissora de gás de efeito estufa. Tem que mudar a matriz de mobilidade e também construir cidades mais compactas. Por exemplo, Nova York e Los Angeles. Los Angeles é extensíssima e Nova York é compacta, mesmo tendo o mesmo número de habitantes. Para mim, parece que o modelo de Nova York é muito mais sustentável.

(Envolverde/Mercado Ético)

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Artivismo para os Alquimistas: Oficina Intensiva de Iniciação

O Artivismo nasceu como uma resposta estética e social depois da segunda guerra mundial e as ditaduras implantadas na América Latina. O “ Performance Art ” e “Agit Prop ” são parte da estratégia criada para mostrar, questionar e problematizar os eventos que trouxeram grandes desafios para o ser humano.

Nesta experiencia propomos focalizar nossa atenção no Teatro da Criação Coletiva (Teatro da Candelaria-Colombia) e Teatro do Oprimido (Augusto Boal- Brasil) Ferramentas poderosas que
foram provadas como veículos na quebra de velhos paradigmas , tomada de uma nova consciência e geração de possíveis soluções para a sociedade.

Um convite urgente a expressão, o ativismo é parte viva no processo da Alquimia Social que atravessa o Mundo Contemporâneo. O Encantamento do ativismo, através da arte e aqui chamado como Artivismo. Expresse-se com arte, saia da normose, mostre sua alegria, descontentamento, protesto ou qualquer tipo de ação, com a poderosa ferramenta do Artivismo.
Como será a Oficina ?
A Oficina está dividida em 6 módulos de 3 horas que inclui o jogo comoferramenta fundamental de trabalho e uma apresentação do processo criado pelos oficineiros.
Modulo 1 Re- Encontro/Criando a Tribo
Introdução, Exercícios de Conhecimento, Confiança, Sensibilização, Agilidade mental,Foco e Solidariedade.
Modulo 2 Eu como ferramenta de trabalho
Consciência Corporal:
Eu
Eu-Espaço
Eu e o Outro
Voz
Articulação, Projeção, Intenção, Atuação, Emoções
Modulo 3 Criando juntos
Teatro de Criação Coletiva
Planejamento do Problema, Improvisação, Criação de cenas em equipes,
Transições, Apresentação.
Modulo 4 Teatro do Oprimido
Teatro Imagem, Teatro Invisível o Teatro Fórum
Modulo 5 Vamos Lá!
Ensaio das cenas, Apresentação em Local Públicoe Reflexão
O que é preciso para participar da oficina?
Abertura e atitude participativa para o jogo;
Roupa leve adequada para fazer exercícios físicos;
Caderno e caneta;
Água e Lanche natural para compartilhar (frutas, pão integral, castanhas, sucos...)
* A oficina tem como propósito criar um Grupo de Artivismo no Recife, disposto aatuar em intervenções Sociais, Ambientais e Culturais em locais púbicos.
Quando:
De 26, 27, 28 de maio das 16h as 19h
01, 02, 03 de junho das 16h as 19h
Onde: UFPE – CCB (sala ainda em definição)
Colaboração: R$ 50,00
Carga Horária: 20 horas aula
INFOS E INSCRIÇÕES: 9708-2686 ecopedagogia@gmail.com
Facilitador: Heriberto Ramirez Ayala (Porto Rico)Formação em Pedagogia Teatral na Universidade de Porto Rico, com equipes deTeatrodo Mundo que trabalham a Criação Coletiva; Teatro Yuyashkani-Peru, Malayerba- Equador, MapaTeatro- Colômbia. Facilitador convidado para Caravana Arco iris por la Paz no projeto CulturaViva- Brasil 2006.Atualmente é artista independente e inclui a dança contemporânea ePerformance, como pedagogo trabalha com populaçõesmarginalizadase como pesquisadora Ecopedagogia.introduziu no seutrabalho

Prêmio reconhece melhores construções sustentáveis

12/05/2009 - Autor: Fabiano Ávila - Fonte: CarbonoBrasil/Holcim Foundation


A recuperação de um rio no Marrocos, um campus universitário ecológico no Vietnã, uma estratégia de planejamento rural na China e abrigos informais para trabalhadores diaristas nos EUA foram os vencedores do 2º Prêmio Global Holcim

Quase 5.000 projetos de construção sustentável, oriundos de 121 países, foram avaliados por uma banca de arquitetos e urbanistas de várias partes do mundo e o grande destaque foi dado para um projeto no Marrocos que pode servir de modelo para a recuperação dos rios que cortam as nossas cidades.

O prêmio, concedido pela Fundação Holcim, reconhece as iniciativas que reduzem as pegadas ecológicas, abrem caminho para um futuro mais sustentável e melhoram a qualidade de vida. Os finalistas incluíram projetos do Brasil, Canadá, Colômbia, Emirados Árabes Unidos, Eslovênia, Hungria, Índia, Suíça e Uganda.

Segundo o presidente do Conselho de Administração da Holcim, Rolf Soiron, os enormes desafios da construção sustentável exigem muitas contribuições inovadoras adaptadas às necessidades locais. “Os valores e vantagens intrínsecos dos projetos revelam que todos têm características únicas que, nos seus ambientes específicos, contribuem e trazem algo de novo para o setor”, afirmou.

Para compararem as várias candidaturas ao concurso, o júri utilizou os “pontos-chave" da construção sustentável, que foram criados pela própria Fundação Holcim: desempenho ambiental, responsabilidade social e eficiência econômica. Também foi avaliada a qualidade arquitetônica e a viabilidade de aplicação em grande escala das características do projeto.

O presidente de Planejamento e Gestão em Construção do ETH Zurique, Hans-Rudolf Schalcher, membro do júri, explicou que a possibilidade de transportar idéias de um projeto para outras comunidades foi um fator comum aos projetos vencedores. “Todos os quatro ilustram, de forma perfeita, o que significa construção sustentável - muitas idéias interessantes para serem transferidas dentro de uma área de especialidade, e um impacto na promoção da construção sustentável”, afirmou.

Vencedores
O Global Holcim Awards Gold, acompanhado de um prêmio em dinheiro de US$ 300 mil, foi atribuído a um projeto centrado na restauração do rio que atravessa a medina de Fez, no Marrocos.

Uma equipe liderada pelo arquiteto marroquino Aziza Chaouni e pelo urbanista norte-americano Takako Tajima está recuperando o rio Fez, no sentido de revitalizar o centro histórico da cidade. A abordagem inclui uma série de intervenções para reforma de curtumes tradicionais, a criação de espaços públicos e zonas para pedestres, e a restauração de áreas úmidas bem como da biodiversidade.

O júri elogiou o plano por criar uma cadeia de projetos de recuperação, que também permitem que sejam acrescentados subprojetos futuros - e por incluirem a vida social e econômica da cidade juntamente com a ecologia do rio. “Trata-se de um projeto multifuncional, organizado em torno da recuperação do rio. Os componentes principais reabilitam a arquitetura dessa medina histórica, criando uma zona urbana viável e funcional,” afirmou o relatório do júri.

O Global Holcim Awards Silver, com um prêmio em dinheiro de US$ 200 mil, foi atribuído ao novo campus da Universidade de Arquitetura na cidade de Ho Chi Minh, no Vietnã, concebido pelo arquiteto japonês Kazuhiro Kojima. O projeto evita obras maciças de aterro numa ilha no Delta do Mekong e visa uma harmonia com todos os elementos do ecossistema circundante: arrozais inundados, mangues, ventos e variações sazonais.

O projeto já havia sido premiado com o Holcim Awards Silver 2008 Ásia Pacífico, e agora convenceu o júri global: “As formas ovais suavemente arqueadas caracterizam o layout dos edifícios - suas interseções criam uma diversidade de grandes e pequenos espaços. Isto permite que a Universidade vá se configurando de forma orgânica, de acordo com idéias em mudança e necessidades futuras”, explicou o relatório do júri.

O planejamento rural de um vilarejo nos subúrbios de Pequim, China, obteve o Global Holcim Awards Bronze e US$ 100 mil pela combinação eficaz de preservação do patrimônio, conhecimentos tradicionais, materiais locais e tecnologia moderna. A estratégia de planejamento urbano integrado liderada pelos chineses Yue Zhang e Feng Ni melhora a logística e os serviços públicos e ao mesmo tempo cumpre rigorosas metas ecológicas e de redução do consumo de energia para novos edifícios.

“Um dos elementos excepcionais da abordagem é a análise profunda da situação cultural e física atual da comunidade, incluindo população, densidade de construção e status da biodiversidade. Foram ainda realizadas pesquisas de campo e entrevistas porta a porta”, referiu o júri.

O prêmio de inovação no valor de US$ 50 mil foi atribuído a um projeto que cria abrigos informais nos quais trabalhadores diaristas em São Francisco podem se encontrar e esperar por trabalho avulso.

Concebidas pelos norte-americanos Liz Ogbu e John Peterson, as estruturas flexíveis oferecem abrigo, bancos de assento, banheiros, uma cozinha e um espaço de formação e treinamento. São utilizados materiais "verdes" e reciclados, para minimizar a pegada ecológica e o custo econômico de cada instalação.

“A estrutura oferece uma solução para aquilo que os bairros circundantes sentem freqüentemente como desordem social e que causa problemas às forças policiais locais. Assim, as vantagens estendem-se a um contexto social mais vasto que o dos próprios trabalhadores”, observou o júri.

Dois projetos brasileiros chegaram entre os finalistas: uma universidade com baixo consumo de energia, no Rio de Janeiro, do arquiteto Angelo Bucci; e uma cisterna para coleta de água de chuva com equipamento para aquecimento solar da água, da arquiteta Maria Andrea Triana e dos engenheiros Roberto Lamberts e Marcio Antonio Andrade, de Florianópolis.

A Holcim é uma gigante da área de construção civil baseada na Europa, com participação em mais de 70 países e com cerca de 85 mil funcionários. A empresa criou a Fundação Holcim para incentivar e dar apoio a iniciativas que combinem sustentabilidade com um aumento da qualidade de vida das comunidades.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

O futuro possível: onde começa o novo humanismo

05/05/2009 - 12h05
Por Paolo Rumiz, do La Repubblica

“É preciso reencontrar as coisas belas, as sementes, as hortas”, afirma o cineasta Ermanno Olmi. “Recuperar a agricultura hoje quer dizer retomar a dignidade”, afirma o fundador do movimento Slow Food, Carlo Petrini. Nesta conversa bem informal, ambos comentam a relação com a natureza e criticam o modo de produção atual. Segundo eles, a natureza tem uma grande capacidade de se regenerar, contanto que seja deixada em paz. “A tragédia que vivemos não é econômica, mas filosófica: é preciso recuperar a essência”, afirmam. A reportagem é de Paolo Rumiz, publicada no jornal La Repubblica, 28-04-2009. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Virá a fome, a fome do alimento justo. Virá a rejeição aos venenos e ao desperdício. Então, o filho pródigo voltará à casa do pai, redescobrirá a Boa Terra e iniciará a resistência contra o império do consumo e o saque à natureza. A hora se aproxima, os sinais são claros: o sistema está devorando a si mesmo, o barco afunda.

Conversamos sobre esses temas com o líder do movimento Slow Food, Carlo Petrini, e o cineasta Ermanno Olmi, em um diálogo “bíblico”, às vésperas da estréia do filme “Terra madre”, dedicado aos pequenos agricultores do mundo.

Como explicar que é preciso voltar à terra?

Olmi - Pensemos. Como se trai uma mulher? Quando a reduzimos a um instrumento procriativo. Mas o que é a terra senão uma mulher? Se não entendermos a sua essência vital, não compreendemos nada… A tragédia de hoje não é econômica, mas filosófica. É hora de voltar à essência, à verdade das necessidades.

Petrini - Olhe quanta dignidade os agricultores dos países pobres têm… Fazem com que pareçamos ridículos… Diante deles, vemos que somos feios, barulhentos, envenenados pelo inútil, curvados aos celulares… Pois bem, devemos explicar melhor que, hoje, voltar à terra não é mais voltar à miséria… Para evitar esta, temos a tecnologia… Mas voltar à dignidade, à beleza.

Sim, mas a nobreza das mãos não é mais representada. Nos jornais, só vemos fotos de empresários.

Petrini - É uma coisa que irrita. Nunca um agricultor, ou um pastor… Ignoram-se os novos sinais: a mulher de Obama que planta na horta da Casa Branca quer dizer alguma coisa, não? Muitos se dão contam, entendem que o agricultor pode ser rico como um rei… mais do que um empresário ou um advogado.

Olmi - Escute. Nunca como agora os empresários sentem o vazio da sua vida, entendem que desperdiçaram inutilmente… O modelo está no fim da linha, o Titanic afunda. Sabe o que estava escrito na quilha do Titanic? “Só Deus pode me afundar”. E depois…

Mas o modelo Titanic continua. Até a FAO exorta a produzir mais.

Petrini - Tolos. Empurrar a economia com o consumo é como dizer a um diabético “empanturre-se em uma confeitaria”. O consumismo faliu e deve ser recusado em todas as frentes. A velocidade deve ser combatida com lentidão; as necessidades inúteis, com a austeridade; o desperdício, com a propensão à reutilização… Resistência dura.

Olmi - Hoje, nos partidos, triunfa a palavra Liberdade. Li-ber-da-de. Sabe o que isso quer dizer? Simples. Liberdade para recuperar um modelo clamorosamente falido. Liberdade para consertar o Titanic. Liberdade para consumir, para desperdiçar, para envenenar. Se fosse eu, fundaria um partido da pobreza, entendida como redução do consumo. Não condenação, mas conquista.

Não é fácil entender. Estamos muito envenenados.

Olmi - Tranquilo. Virá a fome, e então entenderemos… A fome, quero dizer, do alimento justo… Pense na parábola do filho pródigo. De que ele se alimentava? Lavagem dos porcos. E nós? Igual. Lanchinhos, alimentos com aditivos. Porcarias. No nosso intestino, o alimento não fermenta mais, mas se putrefaz. E, assim, os mesmos que nos envenenam nos fazem gastar com remédios para acalmar os gases… Vamos acordar quando entendamos que, por trás da nossa fome, há uma tremenda saudade da qualidade. Então, o Pai virá e fará com que assem o novilho gordo… E vocês verão, será maravilhoso.

Como organizar a resistência?

Petrini - Roma passou séculos afundando… Os imperadores dispunham, julgavam, publicavam editos, mas o controle do território era tratado com desleixo. E assim, anarquicamente, nasciam aldeias com suas próprias regras. Nós vivemos um momento semelhante. Como Roma, o totalitarismo global desaba, mas continua comandando. E então se resiste construindo novas aldeias, núcleos de solidariedade, baseados não na utilidade ou no prazer, mas no bom e no justo. Comunidades da ética.

Olmi - A estratégia justa não é o choque frontal e nem a guerrilha. É ignorar os culpados, separar-se deles. Tornar-se estranhos ao seu projeto. Ajudar o filho pródigo a construir uma horta sua, a colocar debaixo da pia azeite e cinzas no lugar dos venenos, a não comprar congelados. Olhe o meu jardim: tem uma horta de oito metros quadrados e não sei como parar com ela…

Os italianos, se pudessem, encheriam a terra com galpões industriais.

Olmi - De fato, vivemos uma crise de civilização antes que uma crise econômica. Os valores, não os números, estão errados. Quem diz que a crise ou a superação da crise se mede em números não entendeu nada. Por que Marx faliu? Porque acreditava que a economia fazia a civilização. Agora cometemos o mesmo erro. Não entendemos que o nosso mundo, nos últimos dois mil anos, expressou uma única revolução: a de Cristo. Cristo, sublinho. Não a Igreja de hoje.

Petrini - É claro, precisamos de um novo humanismo. Vivemos três crises simultâneas: climática, energética, financeira. Mas todas têm uma única causa: a ganância. Um novo humanismo.

Na prática, o que isso quer dizer?

Petrini - Retorno a uma anarquia austera, com as comunidades que decidem sozinhas… A Terra é anarquia por natureza, rejeita escolhas que caem do céu… Ao ponto que até o Slow Food deve combater a tentação de querer fazer bem o bem aos outros… Mas essa multidão de ONGs em circulação não está certo, não está certo…
O risco é que já seja tarde. Muitos venenos.

Petrini - Nããão! O Tâmisa parecia morto, e olhe como está hoje… O Bormida [rio italiano] era um esgoto e está se recuperando. A terra é como o ânimo humano. Quando está destruído, do que ele precisa? Tempo, cuidado, manutenção… Exatamente o que o nosso mundo baniu.

Olmi - Não consigo me esquecer disto. Eu estava trabalhando com Renzo Piano na recuperação da Falk [indústria metalúrgica], em Sesto San Giovanni, e em um momento me dei conta que cresciam plantas na terra envenenada após um século de industrialização… Também ali, entende? A natureza tem uma capacidade monstruosa de se regenerar. Basta deixá-la em paz.

Vocês nunca se deram de cara contra o poder?

Olmi - Com os latifundiários de ontem, você até poderia se chocar. Com os de hoje, não. Não são pessoas, são fantasmas. Você não sabe quem está por trás. Bancos, crime, política, igrejas, lobby… Se você os ataca, eles não respondem. Vandana Shiva chama-os pelos seus nomes e pelos sobrenomes, os acusa de serem criminosos, e não acontece nada. Um muro de borracha.

Petrini - Os arrogantes da terra não precisam matar. Basta-lhes a imprensa para difundir apatia, descompromisso, a ideia de que toda resistência é leviana. O drama é que uma certa esquerda também pensa assim, e isso é horrível… Uma traição… Justamente eles, os meus companheiros de estrada…

Como representar a agricultura hoje?

Olmi - No filme “Terra Madre”, conta-se a história de Ernesto, um agricultor do Vêneto, que viveu em perfeita autarquia e absoluta solidão até a sua morte. Dieta bíblica sem carne, só produtos da sua terra. Certamente, não é um modelo a ser imitado. Mas a ser meditado, sim. Ele nos confiou um pedaço de terra bíblica no meio de indústrias e culturas intensivas. Mostrar a beleza desse lugar é impressionante. Faz entender como nós decaímos tão profundamente.

Petrini - Não acredito que Ernesto tenha pensado nos descendentes. O que conta é que ele nos confiou esse laboratório único… Você não tem ideia de como esse lugar é diferente do que o circunda. Outro cheiro, outra forma, outra geometria… Uma maravilha.

O que vocês dizem dos bancos de sementes nas ilhas Svalbard?

Olmi - Esse lugar não é uma conquista, é uma tragédia. Isso são as imagens que dizem, sem necessidade de comentários. Na inauguração, o comissário da União Européia, [Durão] Barroso falou de um “jardim do Éden congelado”. Mas você se dá conta? Aquele ali é o lugar onde os arrogantes da terra vão proteger a vida do colapso que eles mesmos produzem! Monsanto, Coca-Cola, Bill Gates…

Petrini - As Svalbard, um monumento à arrogância e à estupidez. Escolheram o lugar por causa do frio, não? Bem, o que fizeram? Uma caverna na rocha, quando até os burros sabem que debaixo da terra a temperatura sobe… Assim, tiveram que colocar refrigeradores… Pense que demência… Não se deve entubar as sementes, deve se fazer com que elas vivam na gratuidade e na troca…

Enquanto isso, eles se apropriam das sementes e da água.

Olmi - Você vai ver! No fim, trocaremos as sementes às escondidas, como os livros proibidos. Será o modo de despedaçar o poder deles. Não vejo outra revolta possível. Olhe esta arvorezinha que nasce. É uma macieira. Vem da semente de uma macieira que um menino de uma escola lombarda que cuidava da horta da turma me deu. Eu a plantei e agora está crescendo. Pode haver um sinal mais bonito?


(Envolverde/IHU - Instituto Humanitas Unisinos)

Bactérias verdes: Desvendando a fotossíntese artificial para converter energia solar em elétrica

05/05/2009 - 12h05
Por Redação da agência Fapesp

Cientistas determinam, em bactérias verdes, a estrutura das moléculas responsáveis pela absorção de energia luminosa e abrem caminho para o desenvolvimento de sistemas de fotossíntese artificial.

Um grupo internacional de cientistas conseguiu determinar a estrutura de moléculas de clorofila em bactérias verdes responsáveis pela transformação de energia solar em energia química por meio da fotossíntese.

Clorofila é a designação de pigmentos presentes nos cloroplastos que absorvem luz nos comprimentos de onda entre o azul e o amarelo e refletem diferentes tonalidades de verde, dando às plantas sua cor característica.

O objetivo da pesquisa é o desenvolvimento futuro de sistemas de fotossíntese artificial, que possam converter energia solar em elétrica. O estudo será publicado esta semana no site e em breve na edição impressa da revista Proceedings of the National Academy of Sciences.

“Observamos que a orientação das moléculas de clorofila torna as bactérias verdes extremamente eficientes na absorção da luz”, disse Donald Bryant, professor de biotecnologia da Universidade Penn State, um dos autores da pesquisa.

Bactérias verdes compõem um grupo de organismos que geralmente vive em ambientes com pouquíssima luz, como em formações existentes em profundidades de cerca de 100 metros no mar Negro. Essas bactérias contêm estruturas chamadas de clorossomos, com cerca de 250 mil clorofilas.

“A capacidade de capturar energia luminosa e rapidamente entregá-la onde é necessário é essencial para as bactérias verdes, algumas das quais costumam ver apenas alguns fótons de luz por clorofila por dia”, explicou Bryant.

O processo também deve ser muito rápido, uma vez que os organismos têm apenas alguns nanossegundos para levar a energia até algum local em que ela seja útil, antes de ser desperdiçada.

O grupo usou uma combinação de técnicas para estudar os clorossomos. Métodos genéticos foram empregados para criar uma bactéria geneticamente modificada com uma estrutura interna mais regular. Microscopia crioeletrônica e espectroscopia de ressonância magnética nuclear ajudaram a mapear as moléculas de clorofila e a compreender a estrutura dos clorossomos.

As imagens obtidas revelaram que as moléculas têm a forma de nanotubos de carbono. “Elas se parecem com bonecas russas, com um tubo concêntrico contido dentro de outro. Os clorossomos da bactéria mutante contêm apenas um conjunto de tubos, enquanto que as estruturas das bactérias normais contêm muitos tubos, cada um organizado em um padrão único”, disse Bryant.

Os cientistas também verificaram que as moléculas de clorofila são arranjadas em espirais. “A orientação das moléculas é extremamente importante para o processo energético”, apontou.

De acordo com o pesquisador, as interações que promovem a organização das clorofilas em clorossomos são relativamente simples, o que as tornam bons modelos para sistemas artificiais.

“Não conseguimos compreender completamente as regras do processo, mas pelo menos sabemos agora como são essas estruturas e como elas estão relacionadas ao processo biológico como um todo, o que configura um importante avanço”, afirmou Bryant.

O artigo Alternating syn-anti bacteriochlorophylls form concentric helical nanotubes in chlorosomes, de Donald Bryant e outros, poderá ser lido em breve por assinantes da Pnas em http://www.pnas.org.

(Envolverde/Agência Fapesp)

Augusto Boal (1931-2009)

04/05/2009 - 01h05
Augusto Boal (1931-2009)
Por Redação da Envolverde

Morreu neste sábado (02/05) o escritor, dramaturgo, diretor e teatrólogo Augusto Boal, uma das grandes figuras do teatro contemporâneo internacional. Fundador do Teatro do Oprimido - que alia o teatro à ação social,inspiradas nas propostas do educador Paulo Freire -, suas técnicas e práticas difundiram-se pelo mundo, notadamente nas três últimas décadas do século XX, sendo largamente empregadas não só por aqueles que entendem o teatro como instrumento de emancipação política mas também nas áreas de educação, saúde mental e no sistema prisional.
Boal tem uma obra escrita expressiva, traduzida em mais de vinte línguas, e suas concepções são estudados nas principais escolas de teatro do mundo. O livro Teatro do oprimido e outras poéticas políticas trata de um sistema de exercícios ("monólogos corporais"), jogos (diálogos corporais) e técnicas de teatro-imagem, que, segundo o autor, podem ser utilizadas não só por atores mas por todas as pessoas. O Teatro do oprimido tem centros de difusão nos Estados Unidos, na França e no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, Santo André e Londrina.
Nas palavras de Boal:
"O Teatro do Oprimido é o teatro no sentido mais arcaico do termo. Todos os seres humanos são atores - porque atuam - e espectadores - porque observam. Somos todos 'espect-atores'"
Deixamos aqui nosso agradecimento pela sua obra e o homenageamos publicando um de seus textos, publicado no Le Monde Diplomatique Brasil.
Educação e Pedagogia são mães e filhas da Cultura
Por Augusto Boal
Na Sorbonne em 1981, durante o primeiro governo Mitterrand, Jack Lang inaugurou um seminário de 200 intelectuais do mundo inteiro para que discutissem como seria a Cultura em um governo socialista. Afirmou que todos os ministérios deveriam chamar-se “da Cultura”: ministério da Cultura das Finanças, da Cultura da Economia, da Defesa, da Seguridade Social, enfim, todos. Tudo é Cultura. Tinha razão o Ministro francês.
Quando o Presidente Lula, em Belo Horizonte, inaugurou a TEIA, reunião de 700 Pontos de Cultura de todo Brasil e, em Brasília, inaugurou o Projeto Cultural em que o Ministro Gilberto Gil assinou convênios com dez Ministérios, com a Caixa Econômica, o Banco de Desenvolvimento, além de outras organizações sociais, para que incluíssem a Nova Cultura em seus programas, vimos que o belo sonho francês estava se tornando uma concreta realidade brasileira.
Por que nova, se já existia? Porque existia desprezada e mal-amada… mas fecunda. Palavras como Educação, Pedagogia e Cultura eram pétreas imposições com seus significados coercitivos, invasores, não democráticos, nem criativos. Educar, do latim educare, significa conduzir. Educar é a transmissão de conhecimentos inquestionados, dados como certos e necessários. Pedagogia, vem do grego paidagógós que era o indivíduo, geralmente escravo, que caminhava ao lado do aluno e o ajudava a encontrar a escola e o saber.
Nenhum conhecimento é inquestionável e cada nova descoberta da História, ou invenção da Ciência, re-instaura a dúvida sobre todos os saberes. Educação significa a transmissão do saber existente. Pedagogia, a busca de novos saberes. Essas duas palavras não podem ser dissociadas, porque não podemos aceitar um saber não-investigativo, nem descobriremos novos saberes sem conhecer os antigos.
Educação e Pedagogia são duas irmãs que são, ao mesmo tempo, mães e filhas da Cultura. Filhas, porque a Cultura existe em cada sociedade em que vivemos e se manifesta através do saber que ensina e do saber que busca. Mães, porque através delas nasce uma nova Cultura, sempre em trânsito.
Trânsito para que futuro? Surgem então os conceitos de Ética e Moral. Esta vem do latim mores - costumes. Mesmo os mais odiosos podem fazer parte da Moral de um lugar e de uma época. A escravidão já foi Moral em muitos paises e épocas, e os escravos que lutavam por sua liberdade eram chamados de fujões e rebeldes - hoje, sabemos que foram heróis e eram sábios.
Nenhuma Moral social deve ser aceita só porque faz parte dos costumes de um infeliz momento. Não podemos aceitar o latifúndio e a corrupção, nem a fartura vizinha da fome. O Brasil ainda está cheio desses infelizes momentos, como toda a América Latina, explorada pelo imperialismo colonialista e pelo neo-liberalismo.
Moral refere-se ao passado que sobrevive no presente. Ética, do grego ethos - segundo Aristóteles em sua Poética, tendência de perfeição ou, para ela, o caminho - refere-se ao presente que se projeta no futuro.
Não queremos o Brasil como foi nem como é, mas como queremos que seja? Queremos que todos os brasileiros sejam plenos cidadãos, e não se pode ser pleno sem os fundamentos da Educação, sem as audácias criativas da Pedagogia, sem uma Cultura plural que tenha a cara do nosso país mestiço e cafuzo, mameluco, zambo e cariboca - filhos de gente branca, negra, índia: europeus, africanos, aborígenes.
Não somos imorais nem amorais, somos anti-morais naquilo que a Moral do Dia impede o florescer de uma Ética da Solidariedade.
A Terceira Guerra Mundial já começou: essa guerra subliminal não se manifesta apenas em formas espetaculares e teatrais, com invasões e genocídios exibidos pela TV e pelos jornais, mas também através desses meios autoritários de comunicação.
Só poderemos nos defender dessa Invasão dos Cérebros usando armas de igual poder, com sinal trocado. Temos que criar condições materiais para que a população possa desenvolver a sua própria Cultura e criatividade, e deixar de ser vítima passiva da Comunicação. Em junho de 2007, 80% dos cinemas brasileiros estavam ocupados por filmes tipo homens-aranhas, homens-carrapatos, super-homens e mulheres-maravilhas, todos bem armados explodindo bombas e disparando rajadas de metralhadoras: lixo cinematográfico.
Segundo a Teoria dos Neurônios Estéticos, quando um ser humano é bombardeado diariamente com as mesmas informações dogmáticas repetitivas - sejam de cunho religioso ou esportivo, belicista, sexista, racista, imperialista ou de qualquer outra ordem - essas informações, por mais absurdas que sejam, cravam-se em nossos cérebros e formam impenetráveis e agressivas Coroas de Neurônios Fundamentalistas, que rejeitam qualquer pensamento contraditório e transformam suas vítimas em seres sectários da religião e do futebol, da arte e da política. Transformam seres humanos em estações repetidoras de conceitos que não entendem, e de valores vazios.
A Cultura, a Educação e a Pedagogia, através do diálogo e do escambo, ativam nossos Neurônios Estéticos - aqueles que são capazes de processar idéias abstratas e emoções concretas, como faz a Arte - e promovem a mais ampla percepção do mundo e a abertura de veredas e caminhos. Como disse o poeta espanhol Antonio Machado: o caminho não existe, o caminho quem o faz é o caminhante ao caminhar.
Uma verdadeira Educação Pedagógica que contribua para a criação de uma autêntica Cultura Popular Brasileira deve, necessariamente, incluir todas as formas estéticas de percepção da realidade e de invenção - Arte - como parte da luta contra a Invasão dos Cérebros que há tantas décadas estamos sofrendo.
Temos que combater aliens em todas as frentes: na escola, no campo e na cidade, no trabalho e no lazer; no cinema, no teatro, na rádio e na TV, nos CDs e DVDs. Cultura e invenção em toda parte!.
Temos que criar defesas contra a escravidão estética que há tantas décadas nos estão impondo. Temos que descobrir nosso rosto, escrever nossa palavra, dançar com nosso corpo, e ouvir a nossa voz.
Esta é a nova acepção da palavra Cultura, neste belo momento que estamos vivendo no Brasil.
Arte é o Caminho.
(Agência Envolverde)